O primeiro herói da história do derby paulistano só poderia ser palestrino
Uma rivalidade não começa por acaso, do nada, sem que algum motivo muito sério a tenha provocado, certo? Nem sempre. Pelo menos à de Palestra Itália e Corinthians tal frase não se aplica. Quando os dois clubes, pela primeira vez, se viram frente a frente, já não nutriam nenhuma simpatia recíproca.
Se oficialmente nada havia que explicasse tal rixa, extraoficialmente ambas as equipes já travavam uma espécie de “Guerra Fria”, muito embora esta expressão e sua real aplicação fossem surgir somente quatro décadas mais tarde. Na verdade, embora ainda incipientes – o time que então mandava seus jogos na Ponte Grande tinha apenas sete anos de vida, contra somente três do alviverde -, os dois já desfrutavam de grande apelo popular. Nem mesmo o Paulistano, bicho-papão daquele início de século, conseguia ter tantos torcedores. Daí a briga – velada, é verdade, mas também real -, para se saber quem, afinal, era o melhor time e, consequentemente, também o maior merecedor dos novos fãs do futebol.
E nada melhor para tanto que uma partida oficial, válida pelo Campeonato Paulista. Como já dissemos, o Corinthians disputava o torneio por outra liga, e somente a partir de 1917 passou a integrar a APEA. E foi graças a esta mudança que, enfim, palestrinos e corintianos se viram cara a cara pela primeira vez. A rivalidade, que já existia fora de campo, teve início dentro dele exatamente às 15h00 de um domingo, 6 de maio de 1917, quando o árbitro Alfredo Gullo apitou, no Parque da Antarctica Paulista, o início do clássico, ainda que na ocasião ele não o fosse considerado como tal.
Tendo em seu elenco o extraordinário atacante Neco, segundo melhor jogador do Brasil na época – só o superava Arthur Friedenreich -, o Corinthians tinha certeza da vitória. Afinal, do outro lado estavam apenas alguns italianos recém-saídos das fraldas –, futebolisticamente falando, claro. Mas, logo de cara, viu-se que as coisas não seriam exatamente assim.
O primeiro tempo começou com o Palestra pressionando e criando grandes chances, mas as conclusões acabaram em tiros de meta ou, no máximo, em boas defesas do goleiro Russo. Aos poucos, “eles” foram equilibrando as ações e também passaram a ter ótimas chances. Mas como seus atacantes igualmente pareciam não estar em tarde das mais felizes, o 0 a 0 do primeiro tempo fez justiça ao que se viu em campo.
Durante o intervalo, as discussões das esquinas paulistanas se mudaram para as arquibancadas. Quem, afinal, era o melhor? E a resposta não demorou muito para começar a aparecer.
Logo aos 15 minutos da etapa final, o ponta-direita Caetano abriu o placar para o Palestra Itália. O gol foi assim descrito pelo jornal “Correio Paulistano” na edição do dia seguinte, cuja transcrição original foi esta, com o português da época: “No começo do segundo half-time, tudo parecia indicar que o desfecho da pugna seria o mesmo do primeiro tempo. Decorridos, porém, 15 minutos de arremetidas e defesas, quase todas bem feitas, Caetano, extrema-direita do Palestra, recebe a esfera e, num belo rush, aproxima-se do goal contrário e, ainda um pouco distante, desfere um fortíssimo shoot enviesado ao retângulo defendido por Russo”.
Interessante notar como o vocabulário utilizado no futebol de então ainda era amplamente recheado de palavras e expressões de origem inglesa, como “half time” (meio tempo), “rush” (pressa), “goal” (objetivo) e “shoot” (disparada).
Mais interessante, porém, foi o que aconteceu logo após o gol palestrino. O Corinthians teve de partir para o ataque e buscar o empate, mas com isso abriu totalmente sua defesa. Caetano, mais uma vez, balançou as redes aos 25 minutos e, impossível, fez o terceiro aos 39, decretando o placar final. Sim, meus amigos, logo na primeira vez que tiveram de nos enfrentar, “eles” levaram uma surra daquelas. E Caetano, desta forma, foi o escolhido pelos deuses do futebol para ser o primeiro herói dentre tantos outros que já inscreveram seus nomes na história deste derby.
Tudo isso aconteceu apenas cinco dias antes de Caetano Izzo completar 20 anos. Nascido na cidade de São Paulo/SP em 11 de maio de 1897, jogava no Ruggerone, time da várzea do bairro da Lapa, antes de chegar ao Palestra no começo daquele ano. Ficou até 1921 em nosso clube e depois se transferiu para o São Bento de Sorocaba/SP. Encerrou sua carreira no Independência/SP, time em que jogou entre 1924 e 1926. Outro detalhe relevante de sua passagem pelo alviverde é que Caetano foi o primeiro jogador do clube a defender a Seleção Brasileira – no Campeonato Sul-Americano de 1917, disputado no Uruguai.
Ah, ia me esquecendo: ao final do jogo, já não se discutia mais nas esquinas paulistanas ou em qualquer outro lugar da Cidade quem era o melhor.
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