CAP. 79 – O PALMEIRAS É O TAL

Escrever a história de um time é, invariavelmente, viajar pelo tempo e, consequentemente, adocicar o coração com histórias da época do futebol romântico. Hoje impossíveis de serem concebidas, dada a violência que toma conta de nossos estádios e que é a principal razão da preferência do torcedor pelo sofá e não pela arquibancada, ontem faziam parte do cotidiano do futebol, tornando-o fruto de rivalidade, sim, mas jamais de insanidade. 

Uma prova eram as paródias e canções que as torcidas criavam e cantavam pelos campos. Nas letras, sempre uma pitada considerável de provocação, a fim de mexer com os brios dos torcedores das outras equipes. Um bom exemplo disso já tivemos a chance de relembrar, quando falamos sobre o título paulista de 1944. Na oportunidade, vítima de uma manobra do São Paulo/SP, Waldemar Fiúme ficou de fora do jogo decisivo e deu seu lugar a Dacunto. Após a vitória, os palmeirenses parodiaram uma canção chamada “Eu Brinco”, de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, cujo refrão dizia: “Com pandeiro ou sem pandeiro, eu brinco!”. Já a letra dos palmeirenses ficou um pouco diferente, mas igualmente criativa: “Com Dacunto ou sem Dacunto, eu ganho!”.

Contudo, nem sempre a criatividade inerente aos brasileiros vinha à tona motivada por grandes decisões ou polêmicos temas. Às vezes, bastava uma vitória em um simples amistoso para que novas paródias fossem feitas. Assim foi que, ainda embalada pela conquista do Campeonato Paulista do ano anterior, a torcida alviverde trouxe à tona, logo no comecinho de 1948, todo o seu “talento musical”.

Naquela época, excursões de equipes estrangeiras ao Brasil aconteciam com frequência. As argentinas, então, eram imbatíveis neste ponto. Quase todos os anos, os principais clubes portenhos aqui desembarcavam e realizavam memoráveis jogosem São Paulo e no Rio de Janeiro. Pois bem: naquele começo de 1948, aqui esteve o Boca Juniors/ARG, a fim de enfrentar Corinthians, São Paulo e Vasco/RJ. E, nestes três clássicos, saiu-se muito bem, vencendo o Tricolor e o clube carioca e empatando com o alvinegro paulista.

Time titular do Boca Juniors/ARG na excursão ao Brasil em 1948

Sua última partida antes do retorno a Buenos Aires, entretanto, não lhe prometia ser das mais fáceis, já que à sua frente estaria o grande Palmeiras e todos os heróis da tão recente conquista – o título regional havia sido garantido em 28 de dezembro de 1947, exatamente apenas 33 dias antes da data do amistoso. Resultado: embalado por sua torcida, que superlotou o Pacaembu, o Verdão quebrou a invencibilidade do Boca ao vencê-lo por2 a 1, gols de Lula, o “Canhão do Parque Antártica”, e Bovio, excelente atacante argentino que marcou época com a camisa verde e branca. 

Como estávamos praticamente entrando no mês fevereiro, no qual seria comemorado o Carnaval, as marchinhas tomavam conta das programações das rádios. Uma delas, chamada “Mas a Mulata é a Tal”, de João de Barro e Antônio Almeida, era a grande campeã no gosto popular devido a seu forte refrão – “Branca é branca, preta é preta, mas mulata é a tal, é a tal” – estar na boca de todos. 

Daí que uma paródia para enaltecer o feito palmeirense e, principalmente, lembrar os torcedores rivais de que havíamos sido os únicos a bater a forte equipe argentina, tinha mesmo de se originar o grande sucesso carnavalesco. Assim, a canção “Mas a Mulata é a Tal” acabou se transformando em “Mas o Palmeiras é o Tal”, cuja letra você confere a seguir:

Boca é Boca, Vasco é Vasco, mas o Palmeiras é o tal, é o tal (bis)

Quando ele entra em campo, só se ouve um grito: o campeão é o Periquito!

Quando ele mete um gol, lá vem zunzunzum. E eu, da torcida, grito: mais um!

Palmeiras das tradições! Salve, salve o Campeão dos Campeões (bis)

Se o Lima avança, a linha toda azula. E a turma grita: segura o Lula!

Se vai para a esquerda, fica de colher: e o Canhotinho faz o que quer!

Palmeiras: ninguém aguenta o tranco! Salve, salve o verde e o branco! 

Que este singelo verso, puro e ingênuo até, se comparado aos que se ouvem nos dias atuais, sirva de exemplo e de incentivo aos torcedores de hoje, transformando em inofensivos versos as mortais bombas que alguns deles carregam para dentro e nos arredores de nossos estádios. 

Para ouvir  a música original, gravada por Ruy Rei, clique no link: https://www.letras.mus.br/antonio-almeida/1501583/ 

ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, SENDO PROIBIDA SUA DIVULGAÇÃO TOTAL OU MESMO PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. OS INFRATORES SERÃO RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE. 

 

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