CAP. 05: A SOLIDÃO DO PODER

Se tivesse a exata noção das dificuldades que teria pela frente, talvez Ezequiel Simone não houvesse dedicado boa parte do seu dia à nova função que acabou, involuntariamente, por abraçar. Eram tantas as atribuições, tantos os afazeres, que o dinheiro necessário para colocar o clube em funcionamento, mesmo sendo muito, transformou-se no menor dos seus problemas.

A primeira promessa que fez, porém, ele cumpriu à risca. Em poucos dias, graças ao patrocínio do seu primeiro presidente, a Società Palestra Itália já estava devidamente registrada como firma, o que hoje seria equivalente à abertura de uma empresa. Em outras palavras, nosso clube já tinha, então, o status de pessoa jurídica, como se fala hoje atualmente. Este detalhe parece irrelevante, mas na verdade não o é: para montar um time e poder disputar o Campeonato Paulista, maior ambição dos palestrinos desde sua fundação, seria necessário que todo o processo burocrático fosse cumprido à risca.

Os primeiros meses de vida do Palestra Itália tiveram poucas atividades. O único acontecimento relevante, já em janeiro de 1915, foi o pomposo baile promovido pelo clube para se apresentar à sociedade paulistana no salão do Germânia, com o cônsul italiano Pietro Baroli como convidado de honra. E como naquele ano foram solicitadas doações e também vendidos os primeiros souvenires do clube, o evento serviu também para a arrecadação de fundos necessários aos primeiros gastos.

Músicos e alguns convidados aguardam o início do Baile de apresentação do Palestra Itália à colônia italiana e à sociedade paulistana, em 1915.

Mas foi a partir de então que os problemas de Simone e dos outros três rapazes aumentaram. Como dissemos, ao todo foram 46 os homens que assinaram a ata de fundação do clube e, com exceção daqueles que compuseram o primeiro corpo diretivo – o próprio presidente, Cervo, Marzo, Ragognetti e mais uns dois ou três jovens -, todos os demais ficaram, de início, à margem das principais decisões. Entenda-se por isso desde detalhes de fato muito importantes, como onde seria a sede do clube, até outros insignificantes, tipo qual mobiliário adquirir, isso para nos atermos a apenas dois exemplos.

Contudo, todos nós conhecemos o espírito e o temperamento do italiano em geral. Não serem consultados sobre tais questões começou a gerar entre os que não faziam parte da diretoria um clima de insatisfação, que foi crescendo numa velocidade espantosa. Nas reuniões, que aconteciam quase que diariamente no mesmo Salão Alhambra que viu o Palestra nascer, as discussões eram cada vez mais comuns e, pior, também cada vez mais ásperas, não demorando para que os mesmos palestrinos que aplaudiram e deram vivas ao novo e primeiro presidente passassem a criticá-lo e, até mesmo, a considerá-lo um ditador.

Vincenzo Ragognetti, Ezequiel Marzo e Luigi Cervo tentaram o quanto puderam fazer o papel de para-raios de Ezequiel Simone. Lembravam aos insatisfeitos, a todo instante, que o presidente só ocupara o posto porque todos os outros 45 fundadores nele o haviam colocado. E mais: as decisões não eram tomadas unilateralmente, já que tudo o que precisava ser feito contava com o aval dos rapazes e, como dissemos, de mais dois ou três integrantes da diretoria. De nada adiantou: o mesmo sucesso que tiveram ao fundar um clube de futebol não foi obtido no ato de persuadir os rebelados.

Pressionado, criticado, sem muitas alternativas para resolver tal situação, percebendo que a cada dia o Palestra lhe tomava mais tempo e que, com isso, seus negócio começavam a ficar em segundo plano, Ezequiel Simone sentiu rasgar a sua pele a solidão à qual o poder muitas vezes relega aqueles que o detêm. Assim, apenas 74 dias após ter tomado posse decidiu, em carta assinada e entregue à diretoria e datada de 08 de novembro de 1914, renunciar a seu mandato em caráter irrevogável.

Já acéfalo e com menos de três meses de vida, o Palestra Itália viu seu destino tornar-se sombrio, e houve quem apostasse que o clube sequer completaria seu primeiro aniversário. Contudo, novamente os três rapazes do bairro do Brás arregaçaram as mangas e trataram de não deixar morrer o sonho que durante tanto tempo acalantaram e que somente com muito custo conseguiram transformar em realidade. Para tanto, porém, um novo presidente teria de ser eleito. E rápido.

No próximo capítulo de “Nossa História”, você saberá a quem coube a responsabilidade de dirigir o clube logo na primeira crise de sua história. 

ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, SENDO PROIBIDA SUA DIVULGAÇÃO TOTAL OU MESMO PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. OS INFRATORES SERÃO RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE.

 
 
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4 Responses to CAP. 05: A SOLIDÃO DO PODER

  1. Márcio, Já falei com você pessoalmente e pela internet.
    Seu trabalho merece a publicação de um livro sobre a história do Palmeiras.
    Tenho certeza de que será feito com muito mais conteúdo do que muitos que foram publicados.
    Esse seu trabalho, pela sua qualidade, já extrapolou a condição pessoal.
    Tenha filhos, plante uma árvore e escreva um livro. Não sei se você já plantou uma árvore, mas tem um livro pronto.

    • Guilherme Santos

      Bom dia,

      Ótimo comentário Marco.

      Como sempre Parabéns….Marcio, o Senhor Palmeiras.

    • Márcio Trevisan

      Oi, Marco.

      Para que um livro com a História do Palmeiras seja publicado, terei de enfrentar dois problemas: ou conseguir a autorização do clube (que, claro, censurará muitas verdades que conto na obra, algo que nem a pau eu permitiria) ou, então, um processo judicial.

      Pode até ser que, no futuro, caso o Palmeiras seja dirigido por alguém com uma cabeça um pouco mais aberta, isso aconteça, mas conhecendo o Palmeiras como conhecemos sabemos que isso é pouco provável.

      Agradeço muito o seu constante apoio e aviso: vem muito mais emoção por aí em “Nossa História”.

      Abraços

      P.S.: Respondendo à sua pergunta: só falta plantar a árvore. Vininho e meus outros quatro livros não me deixam mentir.

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