CAP. 04: NASCE UMA ESTRELA

Os sete dias entre a primeira e a segunda reunião mais pareceram sete séculos para Ragognetti, Cervo e Marzo. A ansiedade pela chegada da histórica data de 26 de agosto de 1914 era acompanhada, paralelamente, pelo temor de um novo fracasso. E se poucos aparecessem? E se ninguém aparecesse? E se…

As dúvidas e os medos tornavam os corações dos três rapazes do bairro do Brás acelerados e descompassados. A boca, seca, nem mesmo o vinho tinto, sorvido em sôfregos goles, parecia conseguir molhar. Mas assim, como sempre aconteceu e sempre há de acontecer, o Sol nasceu naquela fria manhã de quarta-feira, em que São Paulo/SP timidamente iniciava mais um dia de trabalho. Contudo, aquele haveria de ser diferente, pois marcaria o nascimento de um de seus mais ilustres filhos.

À hora marcada, 46 pessoas – incluídos aqui Ragognetti, Marzo e Cervo – se reuniram no mesmo Salão Alhambra (cuja foto da fachada segue logo abaixo). Se comparado ao que se havia visto uma semana antes, este número era irrisório. Mas se era com o que se podia contar naquele momento, então seria com aqueles italianos e “brasilianos” que se fundaria o Palestra Itália. Eram poucos, e isso se admitia, mas ao menos estavam unidos, já que todos que ali se encontravam concordavam sobre o ponto crucial daquele primeiro momento: o novo clube seria apenas e tão somente de “calcio” ou, como os brasileiros já o chamavam por aqui, de futebol.

Um dos 46 presentes era – vejam só! – Caetano Tozzi. Já idoso, não é que nosso primeiro protagonista havia progredido? Dono de um pequeno negócio, tornou-se um dos fundadores oficiais do novo clube. Mas não viveria muito tempo para vê-lo brilhar – 15 anos depois, em 1929, faleceria vítima de causas naturais. Mesmo assim, ainda pôde comemorar a conquista de três títulos paulistas – em 1920, 1926 e 1927.

Voltemos, porém, à fundação do Palestra. Nossos três rapazes não continham a alegria. Enfim o sonho se concretizava, e a colônia já tinha uma agremiação só sua para jogar futebol. O tilintar dos copos repletos de vinho tinto ecoou pelos arredores, e no ar se respirava um novo tempo, repleto de esperança e, certamente, de um povo mais unido e consequentemente forte para enfrentar os preconceitos da sociedade paulistana.

Mas, após o tradicional brinde e a alegria pelo nascimento de mais um “uriundo”, rapidamente o sorriso se desfez na face de todos os 46 homens. O motivo? Muito simples: onde conseguir o dinheiro necessário para a efetiva criação do Palestra Itália? Quem pagaria por todos os documentos oficiais necessários para que o novo clube fosse reconhecido, oficialmente, como uma entidade esportiva? E o aluguel da sede, quem bancaria? Aliás, onde seria a sede?

Foi então que Vincenzo, Luigi e Emanuelle perceberam que, dentre tantas preocupações que tiveram e decisões que tomaram, haviam se esquecido destes detalhes. Todos trabalhavam, claro, mas ninguém tinha condições de assumir tamanha responsabilidade financeira. De início, pensou-se numa maneira de todos os fundadores contribuírem mensalmente, com uma quantia fixa. Ideia aprovada, mas poucos foram os que se dispuseram a colocar a mão no bolso naquela hora. E a única maneira de o Palestra não vir ao mundo como natimorto seria oficializá-lo o mais rapidamente possível.

Em meio às conversas paralelas que se seguiram, nas quais cada um tentou achar uma solução para o problema, pediu a palavra um homem já maduro, na faixa dos seus 40, 45 anos. Elegantemente vestido, usava um vasto bigode e tinha a postura de um verdadeiro “signori”. Percebia-se facilmente que se tratava de alguém importante. Assim que o silêncio se fez, ele se pronunciou:

__ Senhores, boa noite. Meu nome é Ezequiel Simone, sou um italiano que encontrou no Brasil as condições necessárias para progredir na vida. Não sou rico, apenas um empresário bem sucedido que aprecia o futebol e que não poderia deixar de estender a mão a compatriotas num momento como este, em que juntos decidimos pelo nascimento de um clube que, certamente, há de orgulhar a nós e aos nossos descendentes. Desta forma, ofereço-me para patrocinar todas as despesas necessárias para o bom andamento do nosso processo de oficialização junto aos órgãos competentes, sem que com isso tenha de ser ressarcido futuramente e nem exija qualquer vantagem ou posto de liderança na primeira diretoria que teremos de escolher.

Ezequiel Simone, nosso primeiro presidente

Uma grande salva de palmas e gritos de “vivas” se seguiram assim que Simone acabou o seu rápido discurso. Ao fundo, os primeiros brados de “presidente!” começaram a ser ouvidos. Vincenzo Ragognetti, então, pediu que todos se mantivessem em silêncio e declarou:

__ Prezado senhor Ezequiel Simone: humildemente aceitamos a sua oferta e por gesto tão amável, em nome de todos os presentes, agradecemos. Em contrapartida, reconhecendo no novo amigo que ora se apresenta figura de destaque da colônia italiana na sociedade paulistana e acreditando ser possuidor de vasta experiência administrativa, lhe oferecemos o posto de primeiro presidente da Società Palestra Itália, cargo que certamente ocupará com talento e dedicação.

Ezequiel Simone bem que tentou, mas não conseguiu evitar tamanha honraria. Afinal, a proposta do jornalista do Fanfulla foi aceita por unanimidade, com todos os outros 45 fundadores a apoiando sem ressalvas. Ao mesmo tempo constrangido pelo fato de sua ação ter enveredado por um caminho que lhe era inesperado, aquele homem não escondia, também, o orgulho que tomava conta de seu peito. Certamente, naquele momento ele sequer imaginava, mas acabava de entrar para a história do futebol brasileiro.

Juntamente com Simone, foi empossada também nossa primeira diretoria, cujos principais nomes eram o seguintes: Luigi Emanuelle Marzo (vice-presidente), Luigi Cervo (secretário), Francesco de Vivo (tesoureiro) e Vincenzo Ragognetti (diretor de futebol).

Na próxima vez em que nos encontrarmos, relembraremos os primeiros dias da gestão de Ezequiel Simone como presidente do Palestra Itália. E se algum de vocês pensa que eles foram fáceis, então deve se preparar para o pior.  

ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, SENDO PROIBIDA SUA DIVULGAÇÃO TOTAL OU MESMO PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. OS INFRATORES SERÃO RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE.

 
 
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3 Responses to CAP. 04: NASCE UMA ESTRELA

  1. Boa tarde, Marcio.
    Depois de um tempo sem computador, eis que retorno ao site e vejo que você voltou a contar a história do Palmeiras.
    Eu acompanhava desde a época do Ponto Verde.
    Espero que você possa contar até os dias atuais. Incluindo ano a ano da década de 80.
    Acho que você deveria lançar um livro.
    Abraço

  2. Rinaldo Cortez

    Márcio,

    ótimo texto, grande trabalho histórico do nosso Verdão.

    Aguardando ansiosamente pelos próximos.

    Abraços.

    Rinaldo

    • Márcio Trevisan

      Obrigado, Reinaldo.

      E como diria a antiga canção: “Prepare o seu coração pra coisas que eu vou contar”.

      Abs.

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