CAP. 08: SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO. E SEM DINHEIRO TAMBÉM.

A decisão de por um fim, ainda que temporariamente, ao sonho de algumas dezenas de italianos e “oriundis” era trágica, mas não desprovida de lógica. Afinal, Leonardo Pareto viu-se repentinamente sem saída, desesperado e sem fundos para o pagamento até mesmo das despesas mais simples. O mais correto seria, de fato, suspender as atividades do Palestra Itália até que a I Guerra Mundial acabasse. Mas quando isso se daria?

Foram dias de intensa agonia para todos, e então ainda poucos, os palestrinos. De um lado, sabia-se que não haveria, mesmo, outro jeito. Se com o dinheiro que pingava nos cofres do clube já era um milagre ele ter sobrevivido alguns meses, sem aquela quantia se tornava impossível qualquer tipo de atividade.

Na reunião ordinária seguinte, todos os sócios fundadores e membros da diretoria já esperavam a decisão que, em conjunto, seria sacramentada. O Palestra não iria morrer, claro, mas teria de ficar um tempo guardado no canto da memória e bem no fundo do coração de cada um deles. Mas logo no começo da sessão, um dos três rapazes do bairro do Brás, Luigi Cervo, interrompeu a leitura da ata anterior feita por Vincenzo Ragognetti e, com um murro na mesa, gritou:

__ Não podemos deixar o Palestra Itália acabar!!! Se tanto lutamos para seu nascimento, se mais ainda nos dedicamos em seus primeiros dias, se o apresentamos à sociedade em um baile tão pomposo, se temos, todos, um sonho em comum dentro de cada um de nós, precisamos nos unir mais ainda neste momento!, esbravejou.

Luigi Cervo: nesta foto, já em meia idade.

Boquiabertos, todos os presentes não conseguiram disfarçar a surpresa. Afinal, Cervo sempre fora, dentre todos, o mais pacato, o mais tímido. Era um homem de poucas palavras, de temperamento tranquilo. Jovem, sim, porém mais maduro do que a maioria dos rapazes de sua idade. Ao silêncio que perdurou por alguns segundos após o seu breve e inflamado discurso surgiu, entre os presentes, a seguinte pergunta:

__ E como faremos para pagar as contas?

De início, pensou-se que Luigi Cervo não teria a resposta. Mas o fundador, tão ágil quanto o fora em sua primeira intervenção, disparou:

__ Uma partida de futebol!!! Temos que organizar uma partida de futebol!!! Se colocarmos o Palestra Itália na cancha, é certo que a colônia não irá nos abandonar. Se mostrarmos que, apesar de todos os problemas, estamos vivos, provaremos que nosso clube nasceu para ser grande!

Aplausos e gritos de “viva” foram ouvidos em seguida. Claro, era mesmo uma grande ideia. E, afinal de contas, o clube não fora fundado justamente para ser um time de futebol? Então que começasse logo a cumprir a sua sina. Um forte abraço entre Cervo, Ragognetti e Marzo fechou aquela reunião, e todos puderam ir embora para casa com sentimentos bem diferentes daqueles com os quais haviam trazido: em vez da angústia, a esperança; em vez do medo, a certeza; em vez da tristeza, a euforia.

Caminhando lado a lado pelas escuras e molhadas ruas de São Paulo, os três rapazes faziam planos cada vez maiores sobre o tal primeiro jogo. Onde seria realizado? Qual adversário teria a honra de ser o primeiro oponente do Palestra Itália? Quais seriam o melhor dia e o melhor horário para que a partida acontecesse? Foi quando Marzo fez uma outra pergunta, que deixou tanto Ragognetti quanto Cervo com um ponto de interrogação bem grande à sua frente:

__ Quem vai jogar por nós?

Pois é… Ninguém tinha pensado nisso. Na euforia por terem encontrado a solução para um problema que parecia insolúvel, todos se esqueceram de que o Palestra não tinha, na verdade, um time. Aliás, não tinha nem mesmo um único jogador. Estava, assim, definido o próximo desafio: conseguir 11 homens que pudessem vestir a camisa do time pela primeira vez. Aliás, que camisa? O clube não dispunha de recursos suficientes nem mesmo para comprar seu uniforme.

Em nosso próximo encontro, você saberá como o Palestra Itália conseguiu jogar sua primeira partida. E, esteja certo, ficará bastante surpreso e, talvez, até mesmo um pouco decepcionado.

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2 Responses to CAP. 08: SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO. E SEM DINHEIRO TAMBÉM.

  1. Guilherme Santos

    Sempre, Parabéns….Márcio.

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